Quando um equipamento similar a um escafandro começou a ser desenvolvido em abril de 2020 para tratar complicações respiratórias de Covid-19, pesquisadores cearenses, pressionados pela pandemia, jamais imaginariam a diferença que o equipamento poderia fazer em 2021, com indicadores ainda preocupantes. Diante de um cenário de incertezas, o dispositivo não invasivo conhecido nacionalmente como capacete Elmo continua hoje a materializar a esperança de profissionais de saúde no enfrentamento à doença. Presente em 23 estados, o aparelho chega a seis meses de uso em hospitais da rede pública do Governo do Ceará e já foi utilizado em 2.944 pacientes que têm no dispositivo um rápido alívio respiratório rumo à recuperação do deserto de ar.
A profissional autônoma Stephane de Oliveira é a prova do quão perigosa pode ser a Covid-19. Com 21 anos e sem comorbidades, ela teve pneumonia e não melhorou com medicação, tampouco com terapia por alto fluxo de oxigênio. Para evitar a intubação, ela foi uma das 333 pacientes que utilizaram o Elmo no Hospital São José de Doenças Infecciosas, unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
“O Elmo é bem mais confortável que o cateter. Conseguia dormir e comer tranquilamente com ele. Usei o capacete por três dias. No primeiro, usei por algumas horas; no segundo, passei quase o dia todo com ele e, no terceiro dia, eu já tive uma melhora significativa, saindo do oxigênio e entrando em observação. Com certeza, com o Elmo, o avanço para a cura foi bem mais rápido”, conta.
O dispositivo foi inspirado na experiência de médicos italianos que usaram máscaras de mergulho no tratamento de pacientes com coronavírus nos anos 1990 e no uso de “helmet”, capacetes hiperbáricos, utilizados em doenças de descompressão na Europa e, mais recentemente, nos Estados Unidos. No entanto, como inovação em saúde cearense, pesquisadores locais desenvolveram o ciclo completo: da ideia ao produto. Especialistas de uma força-tarefa multidisciplinar avaliaram artefatos existentes e estudos científicos já realizados, elaboraram o conceito, a construção e testagem de protótipos, tudo isso em tempo recorde: três meses.
Em todo este trabalho, o Governo do Ceará, por meio da Sesa e da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), se uniu à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap); à Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai/Ceará), às Universidades Federal do Ceará (UFC) e de Fortaleza (Unifor), com o apoio do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH) e da Esmaltec.
O modelo consolidado, batizado de Elmo, foi submetido a testes clínicos e fisiológicos, com a avaliação dos resultados na melhoria do quadro de saúde dos pacientes. Em dezembro de 2020, o Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), da Rede Sesa, recebeu cinco capacetes Elmo e já começou a aplicá-los em pacientes com Covid-19.
Elmo chega a outros estados
Além da produção em tempo recorde, a força-tarefa local mostrou que não há divisas para o Elmo, espalhado pelo País. O dentista Marcos Helbert Monteiro, de 48 anos, vive em Santa Inês, no Maranhão. Diagnosticado com a Covid-19 em abril deste ano, foi transferido para a capital São Luís diante de um quadro de saúde cada vez mais grave, até ser transferido para um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Pai de quatro filhas, foi o equipamento cearense que permitiu que ele retornasse à família. “Minha esposa ficou aliviada quando soube que eu estava usando o Elmo. Isso confortou ela diante do quadro que até então só se agravava. [O Elmo] deu muito conforto, melhorou logo a minha respiração e ajudou o meu psicológico, que estava abalado”, lembra. “É como se tivesse nascido novamente pelo estado grave que passei”, conta, já recuperado.
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Dentista maranhense Marcos Helbert Monteiro recebeu alta de hospital em São Luís
Quem viu a recuperação do dentista foi Flávia Câmara, coordenadora da Fisioterapia do Hospital de Cuidados Intensivos (HCI), que integra a rede pública de assistência a pacientes com a Covid-19 no Maranhão. Ela celebra os resultados obtidos com o uso do capacete na unidade. “A gente acredita que até 70% dos pacientes que utilizaram o Elmo aqui na unidade evoluem o quadro clínico e não precisam de intubação”, estima.
O capacete Elmo também é uma nova opção de tratamento respiratório a pacientes internados no Hospital Regional de Presidente Prudente Dr. Domingos Leonardo Cerávolo, referência no atendimento da Covid-19 em Presidente Prudente e outros 45 municípios do interior de São Paulo. O dispositivo é utilizado há quase um mês na cidade, que tem mais de 25 mil casos confirmados e 680 mortes pela doença.
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Paciente se recupera com o Elmo em hospital público de Presidente Prudente, referência no atendimento da Covid-19 para 45 municípios do interior paulista
Segundo o supervisor de Fisioterapia da unidade, James Falconi Belchior, o equipamento cearense é promissor e já contribuiu pela redução da metade dos casos de intubação.
“Nós agradecemos a iniciativa do Governo do Ceará que teve a inclinação por fazer algo inovador, algo que de fato representasse a ciência pelo nosso País juntamente com tantas outras frentes. E que viesse a melhorar, mitigar os danos que essa doença tem causado na nossa população”, destaca.
Política Pública de Saúde
Idealizador do equipamento, o superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará, Marcelo Alcantara, destaca que o Elmo se tornou uma política pública de saúde. “O capacete Elmo é uma ótima ferramenta para recuperar o paciente, sem sequelas de uma Covid-19 grave. Nestes primeiros seis meses de uso, 60 a 65% dos pacientes que utilizaram o Elmo não precisaram de intubação, conforme análise preliminar coletada em dados de várias unidades hospitalares do SUS e do sistema de saúde suplementar. Isso confirma o nosso primeiro estudo clínico realizado no ano passado para a prova de conceito do Elmo, que já havia mostrado essa taxa de sucesso”, afirma o especialista, que também é médico pneumologista e intensivista.
Segundo a Esmaltec, responsável pela produção, 8.806 peças do aparelho foram adquiridas por 23 estados brasileiros até o mês de maio. A empresa também integra a equipe de desenvolvimento do suporte e atualmente está envolvida no aprimoramento de acessórios que acompanham o equipamento.
Enquanto isso, o Elmo continua sendo cada vez mais utilizado, a partir da adesão de profissionais e também de pacientes. “Tinha um paciente que estimulava muito todo paciente que entrava na ala da Enfermaria. ‘Olha, se for preciso, use o Elmo, vai salvar a sua vida’. Bacana que essas pessoas que presenciaram e sentiram o benefício da terapia, elas estimulavam os demais pacientes a usarem”, conta Betina Santos, fisioterapeuta intensivista do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), que mantém uma ala para tratar pacientes com a Elmoterapia.
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Pacientes em Elmoterapia no Hospital Geral de Fortaleza
Iniciativa semelhante foi implementada no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes. Uma unidade semi-intensiva, com 15 leitos, foi destinada a receber e monitorar os pacientes em uso da terapia. Os resultados são satisfatórios. Até o dia 04 de maio, 65,3% dos 180 pacientes atendidos na unidade Elmo não necessitaram de intubação e evoluíram sem precisar de internações em UTI.
“Nós temos 15 leitos exclusivos para atender pacientes na terapia Elmo. Os resultados obtidos até agora ressaltam a importância da atuação da equipe multiprofissional. É um trabalho em conjunto e o resultado vai além da assistência. Neste ambiente, nós podemos ensinar, aprender e pesquisar, tudo em busca da melhoria do tratamento ofertado ao nosso paciente”, ressalta a coordenadora do Serviço de Pneumologista do Hospital de Messejana, Penha Uchoa.