Principal aposta do governo federal nas eleições deste ano, o Auxílio Brasil de R$ 600 ainda nem foi pago, mas já chegará defasado para as cerca de 20 milhões de famílias em situação de pobreza que devem receber o benefício. O acréscimo de R$ 200 liberado de forma temporária de agosto a setembro -o benefício original é de R$ 400- não deve trazer de volta ao carrinho itens básicos que deixaram de ser consumidos, como carne, leite e seus derivados, entre outros.
O benefício extra não comprará o mesmo que o brasileiro comprava em 2020, quando o auxílio emergencial de R$ 600 foi pago por causa da pandemia de coronavírus e elevou a aprovação do governo Bolsonaro. Naquele ano, com R$ 200 no supermercado, o consumidor levava para casa 18 itens, incluindo arroz, feijão, carne, leite, ovos, queijo mozarela, macarrão, bolacha e alguns legumes.
Neste ano, os mesmos itens custam mais de R$ 300, segundo a cesta básica do Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Hoje, o carinho vem mais vazio, sem carne de primeira e a mozarela, que têm subido com a disparada do leite.
Os R$ 200 de 2020 representam atualmente R$ 163,91, segundo cálculos de Matheus Peçanha, pesquisador e economista do Ibre (Instituto de Brasileiro de Economia), da FGV (Fundação Getulio Vargas), feitos a pedido do jornal Folha de S.Paulo. Já os R$ 600 equivalem a R$ 491,72.
Para ter o mesmo poder de compra de abril de 2020, as famílias deveriam receber R$ 732,12. Os R$ 200 deveriam ser corrigidos para R$ 244,04. A correção tem como base a inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) acumulada em 22,02% de abril de 2020 a junho de 2022. Esse é o índice que mede a alta de preços para a de baixa renda.
Sem alimentos básicos
Para sobreviver, as famílias atendidas pelo Auxílio Brasil -que também receberam o auxílio emergencial- já cortaram alimentos básicos do carrinho de supermercado e devem cortar ainda mais. Essa é a situação na casa da autônoma Dyane Ayala, 39 anos. “Não dá para ter carne; frutas e legumes só quando dá mesmo ou quando chega uma doação. Naquela época, o leite estava R$ 3,89. Agora está R$ 8. Vou no mercado e vou cortando. Em casa, o leite eu cortei. A gente toma chá, café, toma o que tem”, diz.
Com um filho de 17 anos, ela faz malabarismo para sobreviver e conta com doações para alimentar a família. As dificuldades trazidas pela crise econômica e reforçadas na pandemia de Covid-19 fez com que Dyane passasse a se mobilizar para ajudar outros lares em situação ainda pior que a sua na região onde mora, na Vila Nova Curuçá, extremo leste da capital paulista.
O marido, de 42 anos, está desempregado e faz bicos na área de costura para tentar aumentar a renda da família. Ela já chegou a vender bolos, mas diz que o negócio não dá mais. “Não tem para quem vender e não dá para comprar os ingredientes.”
Edimaria dos Santos Marinucci, 31, mãe de Débora, seis, e Danilo, 13, acredita que, mesmo com o fechamento de 2020, os mais pobres estavam em situação melhor do que agora. “A gente estava tendo uma ajuda maior. O benefício era maior e também a gente tinha mais ajuda de cestas básicas e, hoje em dia, a gente tem menos. Nem tem mais cesta básica.”
Mara, como gosta de ser chamada, diz a cesta ajudava porque trazia os alimentos necessários para o mês e, assim, ela podia comprar alimentos diferente para as crianças. Hoje, isso é raridade. “Tem sempre que esperar o final do mês, que é quando cai o auxílio. Aí compra aquela vez e come até onde der”, diz.
Na casa de Mara não se compra mais leite com frequência. Carne é um item que foi cortado. A salsicha é que compõe a “mistura” das crianças. “Você opta. Compra o arroz ou o feijão e a misturinha é uma salsicha. Não dá para comer bem, não.” Ela faz bicos quando pode e está estudando para ser cuidadora de idosos.
Matheus Peçanha explica que a inflação de 2020 estava focada em alimentos, principalmente por causa da seca, e prejudicou especialmente famílias mais vulneráveis. Neste ano, a alta de preços tem atingido todas as famílias, prejudicando essa transferência de renda voluntária.
Inflação e desemprego
Claudio Considera, coordenador de contas nacionais do FGV Ibre e responsável pelo monitor do PIB (Produto Interno Bruto), afirma que a inflação em alta e o desemprego são os principais problemas que afetam as famílias e impedem o país de crescer.
“O desemprego está se reduzindo, mas não na proporção que deveria. Estamos com uma taxa elevadíssima, de 9%. São 9 milhões de pessoas desempregadas. Como pelo menos duas pessoas dependem desse emprego, são 18 milhões de pessoas que podem estar neste grupo de fome”, afirma.
Os dados de consumo das famílias no monitor do PIB mostram o comportamento de compra nos lares. Até mesmo produtos não duráveis, que são os alimentos, tiveram queda em maio na comparação com os 12 meses do mesmo período anterior, o que demonstra retração no poder de consumo. Segundo Considera, em geral, o consumo geral das famílias subiu em maio, mas já demonstra comportamento de retração, apontando para a situação de dificuldade com a alta da inflação. O setor de serviços é que tem puxado o crescimento do PIB das famílias, mas isso não significa melhora na situação.
O pesquisador diz que esse comportamento está ligado ao uso de transporte e restaurantes, itens obrigatórios a quem sai de casa para trabalhar com a abertura dos locais após o início da vacinação e distribuição de doses de reforço.
Agência Brasil
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